sábado, 10 de outubro de 2015

A sina nordestina no chão sagrado do Teatro Clariô

Naloana Lima e Martinha Soares - Foto: Wilson Cortez
Para mim foi emblemático o Grupo Clariô de Teatro estrear em outubro a peça Severina - da Morte à Vida. Num dia 5 deste mês, em 1897 o governo carnicento do Brasil trucidava os defensores de Canudos, no sertão do Estado da Bahia. Canudos não se entregou. Lutou até o último homem. Nada melhor que este mês briguento para o Clariô abrir nova temporada, marcando seu 10º ano de vida e de teimosia.
Severina - da Morte à Vida estreou na 5ª-feira, dia 8, e fica em cartaz até 8 de novembro, com apresentações de 5ª-feira a domingo, sempre às 20h30, com entrada franca.
Naruna Costa - Foto: W. Cortez
Inspirada na obra de João Cabral de Melo Neto, a montagem não é uma adaptação de Morte e Vida Severina. “Em vez de falar sobre a vida severina de que trata o poema, a gente resolveu colocar no palco a personagem Severina”, revela o autor Will Damas. 
A concepção inicial desta produção foi de Mário Pazini, diretor e fundador do grupo. “Foi ele quem encabeçou, incentivou e alimentou esta pesquisa desde os primeiros passos”, explica a diretora Naruna Costa. O espetáculo é dedicado a Pazini, que faleceu em 31 de março do ano passado, aos 51 anos.
Esta peça integra um ciclo de encenações temáticas que refletem a questão nordestina e a afro descendência em face da realidade periférica das grandes cidades. A trilogia, sempre com base em textos de autores nascidos em Pernambuco, teve início em fevereiro de 2008 com Hospital da Gente, de Marcelino Freire, seguida de Urubu Come Carniça e Voa, de Miró da Muribeca, estreada em maio de 2011.

Os novos Severinos
Mário Pazini
A nova criação do Clariô incorpora elementos musicais do oeste da África, com atores tocando em cena tambores dunun, instrumentos típicos daquela região. É justamente da África Ocidental que nos últimos anos têm vindo para o Brasil milhares de pessoas em fuga da miséria da Nigéria e do Senegal. Espécie de severinos ultramarinos.

Diferente de uma montagem paulistana que atualmente percorre teatros da capital, onde a saga sofredora de Severino é transferida do agreste árido para o asfalto agressivo, o Grupo Clariô mantém a trama em seu devido lugar – a terra rude do sertão.
Quando estávamos nos dirigindo para a porta de entrada do teatro, a poetisa Tula Pilar brincou comigo, dizendo que a fila se assemelhava a uma procissão. 
Na minha opinião, assistir espetáculos no Clariô é uma experiência religiosa.
Foto: Maira Galvão
Além dessa impressão quase mística, a apresentação de Severina concede ao público uma interação olfativa com o cenário - o cheiro da terra molhada. O chão do palco está coberto com terra natural suficiente para se produzir sobre ela infindas caminhadas poeirentas, e até literalmente abrir uma sepultura no tablado.
Em cima dessa terra sedenta de sangue, os personagens vagueiam sem rumo. Proibidos de ficar parados no solo que não lhes pertence. Nem mesmo quando a terra passa a ser supostamente do povo. Tem sempre alguém pra dar ordens. “Caminhem!”. O descanso é um pecado cujo salário é a morte.
Mas nada de se abater diante de perspectivas macabras. Há sempre o instante em que Severina aprenderá a dizer: “NÃO!”.
O novo espetáculo do Grupo Clariô é uma celebração à Vida.

25 séculos de atraso
O poema-espetáculo Morte e Vida Severina foi escrito por encomenda da escritora Maria Clara Machado por volta de 1954-1955. Ela pediu a João Cabral para escrever algo sobre retirantes da seca. A primeira apresentação da peça foi em 1957 por um grupo teatral no Pará. Em 1965 em São Paulo foi feita sua montagem mais celebrada, por ter sido musicada pelo então jovem compositor Chico Buarque, na época com 21 anos.
Em 1977 a obra recebeu uma adaptação parcial para o cinema. Em 1981 foi convertida em teleteatro pela TV Globo.
Em 2010 foi adaptada para animação em 3D, com direção de Afonso Serpa, sobre desenhos de Miguel Falcão
Detalhe do cenário - Foto: André Piruka

Comparado ao ano de 1954 quando a peça foi escrita, hoje o nordeste brasileiro está mais medonho. As capitais nordestinas são campeãs nacionais em mortes violentas. Como diz um dos versos de João Cabral, “há sempre uma bala voando desocupada”.

A presença do poder público é de fundamental importância no tipo de trabalho com que o Teatro Clariô contempla a plateia.
Neste sentido estamos 2.500 anos atrasados.
O autor Will Damas (de chapéu) - Foto: Wilson Cortez
No ano 487 antes de Cristo, na Grécia as montagens das peças eram financiadas pelos cofres públicos. Festivais de teatro faziam parte do calendário oficial. Os espetáculos eram apresentados em um local a céu aberto na região sul de Atenas, com lugar para até 17 mil pessoas. O preço do ingresso era baixo, e o governo pagava a entrada para os atenienses mais pobres.
Decorridos 25 séculos daquela época, ainda não é sem sofrimento que o Grupo Clariô cumpre o preconizado pelo poeta Solano Trindade: “Pesquisar na fonte de origem, e devolver ao povo em forma de Arte”. 
Severina - da Morte à Vida, de Will Damas. Direção: Naruna Costa.
(inspirado na obra de João Cabral de Melo Neto: “Morte e Vida Severina”)
Com: Alexandre Souza (João), Martinha Soares, Naloana Lima e Washington Gabriel.
INGRESSO: Grátis
Espaço Clariô
Rua Santa Luzia, 96 - (próximo ao hipermercado Extra Taboão e Hospital Family)
Taboão da Serra
(11) 9995-5416 / (11) 4701-8401
de 08 de outubro a 08 de novembro
Quintas, Sextas, Sábados, e Domingos às 20:30
*Ingressos são distribuídos uma hora antes do espetáculo

Cenário e Luz: Alexandre Souza (João). Cenotécnico: Rager Luan
Figurinos: Cleydson Catarina e Martinha Soares. Maquiagem: Naloana Lima
Bonecos: Rager Luan. Máscaras: Cleydson Catarina
Trilha Sonora e Fotos: André Ricardo. Vídeo/captação/finalização: Wilson Cortez
Desenhos e Projeto Gráfico: Manu Maltez
Preparação Corporal: Rubens Oliveira
Técnicas Circenses: Robson Cruz
Aula de Dunun / Musicalidade do Oeste da África: André Ricardo
Produção Executiva: Michele Andrade
Produção Geral: Grupo Clariô de Teatro

Agradecimentos:
Salloma Salomão, Instituto do Tambor, Analy Alvarez, Jesuana prado, Flávia Mazal, Leninha Silva, Thaise Reis, Renato Almeida, Ton Moura, Larissa Cristina, Adriana Miranda, Rafaela Tamires, Rennan, Dona Margarida, Pablo Quiñones.

Visite o site oficial do Grupo Clariô

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